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Canal da Cultura pode inovar com TV pública não-estatal e descentralizada

Depois do anúncio da criação dos canais da Cidadania e da Educação, previstos no decreto de 2006 que instituiu o padrão de TV digital no Brasil, o governo federal divulgou, na última semana, a criação do Canal da Cultura. Agora, é o Ministério da Cultura (MinC) que tem, em suas mãos, uma poderosa ferramenta para inovar a comunicação pública no Brasil. E ouvir a sociedade é o primeiro passo. A medida surge como possibilidade para a construção de um sistema público de comunicação plural com TVs não-estatais. Mas para tal é preciso fugir dos erros do passado e acelerar sua implementação.

Infelizmente, antes de um diálogo com a sociedade, foi assinada a portaria sobre o tema, em parceria com o Ministério das Comunicações. É verdade que trata-se de um texto genérico, que não apresenta definições sobre como se dará o funcionamento do novo canal. Mas a própria portaria, como já ocorreu com outras ações da pasta, poderia ter passado por um processo de consulta pública antes de ter sido firmada. Tampouco o Ministério tornou público um estudo realizado no ano passado, em parceria com a Universidade de Brasília, sobre a viabilidade de implantação do Canal da Cultura. A pesquisa analisou questões como gestão, financiamento, plataformas e conteúdo, e é fundamental que seja aproveitada no processo de implantação do novo canal.

A radiodifusão está em crise e um novo modelo de televisão pública pode dar novos horizontes a este tipo de comunicação. Por isso não é possível esperar muito para acertar o passo.

O Canal da Cultura deve ser um espelho das demais políticas públicas do MinC, descentralizando suas ações e a produção do conteúdo a ser veiculado, e permitindo a cogestão da emissora com a sociedade. Esta foi a indicação do ministro Juca Ferreira durante debate com artistas da Baixada Fluminense; sinalização confirmada pelo secretário do Audiovisual, Pola Ribeiro. Centralizar sua operação e a programação do canal, mesmo que em forma de curadoria, seria um erro. Uma das grandes falhas na regulamentação do Canal da Cidadania foi justamente conceder a exclusividade de sua operação por parte do poder público. A medida do Ministério das Comunicações tem impedido a instalação da emissora em municípios onde não há vontade do Poder Executivo local – mesmo havendo interesse da sociedade civil e já funcionando um canal comunitário na TV por assinatura.

Resultado dessa opção do Canal da Cidadania é que apenas 6% dos municíoios brasileiros solicitaram a outorga e, quase três anos depois da sua regulamentação, apenas a cidade de Salvador avançou no processo. Isso porque, na verdade, a TVE Bahia transformou-se em Canal da Cidadania.

Já o Canal da Educação depende 100% da ação do MEC para se concretizar, num cenário de grandes cortes de recursos na TV Escola e recentes demissões na Acerp, responsável pela produção da TV.

Aprendendo com o passado recente, o Canal da Cultura poderia experimentar um modelo que deu certo na Rádio Cúpula dos Povos da Rio+20. A emissora comunitária, que funcionou temporariamente durante o encontro paralelo da sociedade civil à convenção da ONU sobre o clima, teve sua outorga concedida pela EBC, porém era operada pela própria sociedade. Uma das possibilidades para o novo Canal da Cultura é esta. O MinC poderia viabilizar a outorga para a operação direta do Canal por Pontos de cultura, TVs comunitárias e Pontões de Mídia Livre. Isso ajudaria na rápida implementação da política pública e fortaleceria a comunicação pública não-estatal, ainda muito pouco valorizada no Brasil.

É claro que seriam necessários investimentos de fomento à produção e distribuição de conteúdos. Mas o Ministério da Cultura tem capacidade de envolver a ANCINE (agência reguladora e fomentadora do audiovisual) e sua própria estrutura interna, que já possuem programas de incentivo ao Canal da Cidadania, e as próprias TVs do chamado campo público. Pastas como a Educação, a Saúde e até mesmo a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) desenvolvem ações de cultura e comunicação que poderiam se somar na implementação do Canal da Cultura – antes mesmo da criação do sonhado fundo para a comunicação pública no país.

Além do financiamento do Canal da Cultura, a gestão é outro desafio a ser superado. A manutenção de modelos centralizados e verticais de gerenciamento de redes bate de frente com as redes distribuídas da mídia livre e da cultura digital. A sociedade não quer apenas exibir programas na grade desta nova TV. Ela quer ir além da produção e cogerir a emissora. Isso significa implantar o funcionamento de conselhos, audiências, consultas e debates, primordiais para que uma televisão seja realmente pública.

Outro ponto diz respeito à tecnologia. O sistema de TV digital adotado no Brasil é extremamente subutilizado. Quase nenhuma emissora faz uso da multiprogramação ou da interatividade, tampouco pensa estratégias para mobilidade. A grande maioria dos canais apenas repete a programação do sistema analógico em alta definição, desperdiçando os avanços que a digitalização proporciona. O Canal da Cultura tem a oportunidade de experimentar a multiprogramação, com iniciativas que atendam às diretrizes normativas, sejam elas produzidas por universidades, comunidades ou pelos poderes públicos locais.

Estabelecer espaços fechados aos quais as iniciativas devem se adequar é o que o Ministério das Comunicações faz com as rádios e TVs comunitárias há anos, tendo como consequência a ilegalidade de boa parte das emissoras realmente comunitárias e a legalização de muitos canais controladas por grupos políticos e religiosos.

Em outras políticas públicas, o MinC já optou pelo reconhecimento dessas iniciativas. Da mesma forma que pontos de cultura de Santarém, no Pará, e de uma favela
carioca são diferentes, os Canais da Cultura devem considerar o atendimento à política pública – o que pode ser secundarizado se tiverem que obedecer a dezenas de
requisitos burocráticos.

Para agilizar seu processo de implantação, é possível utilizar a EBC (Empresa Brasil de Comunicação), que já possui infraestrutura instalada em vários estados, e
compartilhar desta rede. Isso garantiria a veiculação de conteúdos em alta definição, a recepção por dispositivos móveis, a interatividade e a multigramação com outros
canais culturais. Isso não significa, contudo, dividir a atual frequência da TV Brasil com os demais canais públicos previstos no decreto da TV Digital, mas sim
compartilhar espaços e equipes para viabilizar a transmissão em frequência própria.

Um acordo firmado esta semana entre Ministério das Comunicações, MEC, MinC, Secom, Ministério da Saúde e EBC vai justamente neste sentido. O objetivo anunciado é
ampliar o alcance dos “Canais de TV Digital do Poder Executivo”. É importante lembrar, entretanto, que o decreto que criou a TV Digital no Brasil fala em “canais
públicos”, e não estatais. O maior erro que o governo federal pode cometer neste momento é se apropriar dos canais da Cidadania, da Educação e da Cultura para
transmitir programação de entes governamentais. Outro risco é que, no processo de compartilhamento da infraestrutura da EBC, desista-se da concessão de outorgas
próprias para cada um desses canais e eles sejam obrigados a se contentar com uma faixa de programação da atual TV Brasil – o que reduziria brutalmente o espaço no
espectro para os novos canais públicos. A íntegra do documento de acordo ainda não foi publicizada.

Mas, para o Canal da Cultura, são muitas as possibilidades. É preciso abrir já este processo de construção, para além do GT interno do Ministério da Cultura. Muita
gente tem contribuições a dar: artistas, movimentos, ONGs, sindicatos, entre outros coletivos. A atual gestão deve pensar políticas públicas que não dependam dela
mesma. Elas passarão e a sociedade não pode ficar refém dos gestores de plantão para ter garantido um direito que lhe é fundamental: a comunicação. O canal é da
cultura e não do ministério.

FONTE: Carta Capital.

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PORTARIA INTERMINISTERIAL No – 4.074, DE 26 DE AGOSTO DE 2015

Estabelece as diretrizes para operacionalização do Canal da Cultura no Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre

O MINISTRO DE ESTADO DA CULTURA e o MINISTRO DE ESTADO DAS COMUNICAÇÕES, no uso das atribuições que lhes confere o art. 87, parágrafo único, inciso II da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 13, inciso III do Decreto n.° 5.820, de 28 de junho de 2006, resolvem:

Art. 1° Ficam estabelecidas as diretrizes para a operacionalização do Canal da Cultura, criado

pelo Decreto n° 5.820, art. 13, inciso II, de 29 de junho de 2006 e com o inciso XII do art. 15 doD ecreto n° 7.743, de 31 de maio de 2012.

Art. 2° O Canal da Cultura tem como objetivo transmitir produções culturais e programas

regionais, reconhecendo e valorizando a diversidade cultural, étnica e regional brasileira, e difundindo as criações artísticas e os bens culturais.

Art. 3° O Ministério das Comunicações – MC consignará ao Ministério da Cultura – MinC,

mediante solicitação deste, um canal digital com largura de banda de seis megahertz para a exploração do Canal da Cultura.

Parágrafo único. A consignação de que trata o caput:

I – dependerá de viabilidade técnica;

II – terá prazo de vigência indeterminado; e

III – será outorgada após a aprovação do projeto de instalação da emissora, de acordo com a

regulamentação técnica e os procedimentos previstos nas normas que regem as consignações dos serviços de radiodifusão para a União.

Art. 4° O Canal da Cultura atenderá, prioritariamente, em sua programação os seguintes princípios:

I – direito de todos à arte e à cultura;

II – liberdade de expressão;

III – diversidade cultural;

IV – respeito aos direitos humanos;

V- direito à informação, à comunicação e à crítica cultural;

VI – direito à memória e às tradições; e

VII – acessibilidade aos meios de comunicação.

Art. 5° O Canal da Cultura poderá entrar em operação quando o MinC possuir cumulativamente:

I – ato de consignação;

II – aprovação dos locais e dos equipamentos de instalação; e

III – autorização de uso de radiofreqüência, expedida pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Art. 6° A responsabilidade perante o MC em relação à prestação do serviço previsto nesta

Portaria, bem como sobre as programações veiculadas, é exclusiva do MinC.

Art. 7° Observado o disposto em regulamentação específica do MC, o MinC poderá utilizar o

recurso de multiprogramação para transmitir programações simultâneas.

  • 1 ° As faixas de programação do Canal da Cultura deverão ser utilizadas para o atingimento dos objetivos de que trata o art. 2°.
  • 2° O MinC estabelecerá a banda destinada a cada uma das faixas mencionadas neste artigo, respeitada, pelo menos, a qualidade de resolução de definição padrão – SDTV.
  • 3° O Canal da Cultura poderá fazer uso de recursos de mobilidade e interatividade, observada a regulamentação técnica vigente e as outorgas necessárias para este fim.
  • 4° É vedada qualquer forma de proselitismo na programação.
  • 5° São vedadas, em todas as faixas de programação do Canal da Cultura, a veiculação de

anúncios de produtos e serviços e a venda de horários da grade de programação.

Art. 8° O MinC regulamentará a produção e o licenciamento de conteúdos a serem veiculados no Canal da Cultura.

Art. 9. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

JOÃO LUIZ SILVA FERREIRA
RICARDO BERZOINI

Arthur William Cardoso Santos
Arthur William Cardoso Santos

Arthur William Santos é mestre em Educação, Cultura e Comunicação (UERJ), pós-graduado no MBA de TV Digital, Radiodifusão e Novas Mídias de Comunicação Eletrônica (UFF), graduado em Comunicação Social / Jornalismo (PUC-Rio) e técnico em eletrônica (CEFET-RJ). Foi gerente executivo de Produção, Aquisição e Parcerias na EBC, além de gerenciar o setor de Criação de Conteúdos e coordenar as Redes Sociais da TV Brasil. Liderou também a área de Inovação/Novos Negócios na TV Escola. Atuou ainda na criação do Canal Educação e do Canal LIBRAS para o Ministério da Educação (MEC). Fez cursos presenciais em Harvard e Stanford sobre Inovação na Educação. Deu aulas em cursos de graduação e pós-graduação nas universidades UniCarioca, Unigranrio, FACHA, INFNET e CEFOJOR (Angola). É membro da SET (Sociedade de Engenharia de Televisão).

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