Robô foi incluído no inquérito policial que investigou as “Jornadas de Junho de 2013”

Robô foi incluído no inquérito policial que investigou as “Jornadas de Junho de 2013”

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Robô foi incluído no inquérito policial que investigou as “Jornadas de Junho de 2013” (manifestações entre Junho de 2013 e Julho de 2014)

Em minha pesquisa de mestrado, criei um robô que fazia o “web scraping” das publicações sobre as manifestações entre 2013 e 2014 com o objetivo de analisar os dados de forma similiar a outros trabalhos científicos no período. Mesmo o site explicando o projeto, surpresa minha foi ver o robô confundido com um grupo de pessoas reais pelo relatório da Operação Firewall que investigou as manifestações entre junho de 2013 até a final da Copa do Mundo de 2014.

Aquela confusão, há 10 anos atrás, deixou claro o potencial de desinformação que uma mídia sintética poderia gerar na sociedade, situação agravada hoje em dia com o desenvolvimento da inteligência artificial generativa. O robô que criei não era tão sofisticado quanto os softwares na linguagem R que os professores Fabio Malini (Labic-UFES) e Raquel Recuero (UCPel) utilizavam para produzir seus grafos nas pesquisas de ciência de dados sobre os protestos de 2013/2014. No meu caso, os plug-ins do WordPress faziam a raspagem dos dados das redes sociais e copiavam as informações para um site, que era indexado pelo Google, diferentemente das redes sociais fechadas como o Facebook. Além disso, o robô traduzia automaticamente todos os textos para três línguas (inglês, espanhol e francês) via API do Google Tradutor e divulgava os links de forma automatizada pelo Twitter. Quando saiu o relatório da investigação policial, acabei desativando o robô “Rebaixada” que havia sido desenvolvido durante oficinas na própria universidade. O relato completo desta história está descrito na minha dissertação de mestrado pela UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

REFERÊNCIAS:

SANTOS, A. W. C.. Pesquisa de mestrado no inquérito da Polícia. Disponível em: https://arthurwilliam.com.br/blog/pesquisa-de-mestrado-no-inquerito-da-policia/. Acesso em: 1 ago. 2014.

SANTOS, Arthur William Cardoso. Rebaixada: hub da multidão inteligente durante os megaeventos. 2015. 108 f. Dissertação (Mestrado em Educação, Cultura e Comunicação) – Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, 2015. Acesso em: 7 out. 2015.

LINKS:

Rebaixada.org (Web Archive – Wayback Machine)

Rebaixada.com.br (Web Archive – Wayback Machine)

Twitter do Robô Rebaixada em Português

Twitter do Robô Rebaixada em Inglês

Twitter do Robô Rebaixada em Espanhol

Twitter do Robô Rebaixada em Francês

ChatGPT Hallucination, a alucinação da Inteligência Artificial Generativa com Zero-shot

ChatGPT Hallucination, a alucinação da Inteligência Artificial Generativa com Zero-shot

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IMAGEM: ChatGPT “alucinando”

Cena 1: Adultos perguntam sobre assunto complexo para uma criança pequena e ela responde algo totalmente sem sentido.

Cena 2: Aluno não estuda a matéria e tenta chutar a resposta de uma prova discursiva, mas erra feio. 

As duas cenas acima são corriqueiras e ajudam a ilustrar a razão pela qual ocorre a chamada “alucinação” do ChatGPT”. O GPT (Generative Pre-Trained Transformer) é um LLM (Large Language Model) que processa trilhões de parâmetros e utiliza como base de consulta uma infinidade de informações dos seguintes datasets (até setembro de 2021): Common Crawl, WebText2, Wikipedia, Books1 e Books2.

Apesar da gigantesca quantidade de parâmetros e de informações a serem processadas e consultadas, o ChatGPT não é um oráculo detentor de toda a sabedoria do universo. Na verdade, trata-se de um sistema de machine learning (aprendizado de máquina) que evoluiu algumas técnicas a partir da versão GPT-2, resultando no comportamento de dar respostas convincentes para absolutamente tudo o que é perguntado.

Zero-shot learning (ZSL), One-shot learning (OSL) e Few-shot learning (FSL) são configurações de aprendizado de máquina em que os aplicativos “generalizam” a resposta a partir de nenhuma referência (Zero-Shot), apenas uma referência (One-shot) ou poucas referências (Few-shot). O resultado parece mágico, pois a Inteligência Artificial Generativa cria um texto bem escrito e persuasivo, mas com informações totalmente equivocadas, como se estivesse “chutando uma resposta para tentar enganar a professora”, tal qual a cena 1.

A dinâmica acima é diferente de Chatbots tradicionais que pedem para o usuário refazer a pergunta quando não a entendem completamente (Alexa, Siri e Google Assistant) ou transferem a conversa para um atendente humano ao se deparar com uma questão cuja resposta não está em seu banco de dados. Com o ChatGPT é diferente e este é um ponto que requer atenção para os que tratam o robô como um “guru”, pois pode causar um considerável processo de desinformação, situação especialmente perigosa em áreas como Saúde e Educação.

Veja o que o ChatGTP 3.5 (a versão Plus utiliza o GPT-4) respondeu sobre o seguinte prompt: “Como o ChatGPT trabalha com Zero-shot, One-Shot e Few-shot?

O ChatGPT é capaz de trabalhar com zero-shot, one-shot e few-shot learning para realizar tarefas específicas. Vou explicar como cada um desses métodos funciona:

1. Zero-shot learning: Nesse contexto, “zero-shot” significa que o modelo pode executar uma tarefa sem receber exemplos específicos de treinamento para essa tarefa. Em vez disso, ele é treinado em um conjunto diversificado de dados e aprende a generalizar para diferentes tarefas. Durante a inferência, você pode fornecer uma descrição textual da tarefa que deseja realizar, juntamente com algum contexto inicial, e o modelo tentará gerar uma resposta adequada com base no conhecimento geral que adquiriu. Por exemplo, você pode pedir ao modelo para traduzir uma frase do inglês para o francês, mesmo que ele nunca tenha sido explicitamente treinado para essa tarefa.

2. One-shot learning: Esse método permite que o modelo execute uma tarefa com apenas um exemplo de treinamento. Em vez de fornecer vários exemplos de treinamento para uma tarefa específica, você apresenta apenas um exemplo e solicita ao modelo que generalize com base nesse único exemplo. Por exemplo, você pode fornecer um exemplo de tradução do inglês para o francês e pedir ao modelo para traduzir frases semelhantes com base nesse único exemplo.

3. Few-shot learning: Esse método é semelhante ao one-shot learning, mas permite fornecer alguns exemplos de treinamento adicionais para ajudar o modelo a generalizar melhor para uma determinada tarefa. Em vez de apenas um exemplo, você pode fornecer alguns poucos exemplos relacionados à tarefa que deseja executar. Isso ajuda o modelo a capturar melhor a variabilidade e a compreender a tarefa com base nos exemplos fornecidos.

O ChatGPT, especificamente, foi treinado usando um método chamado “supervised fine-tuning”. Nesse processo, ele foi treinado em uma ampla variedade de tarefas de linguagem com exemplos específicos de treinamento para cada tarefa. Isso permite que o modelo generalize para diferentes tipos de perguntas e comandos. Embora o ChatGPT tenha conhecimento até setembro de 2021, ele pode usar esse conhecimento para ajudar a responder perguntas e fornecer informações úteis.

A capacidade do GPT para tarefas Zero-shot também permite que o LLM atue em tarefas diferentes das quais foi treinado, como cálculos e até programação. Isto porque o GPT apresenta a configuração de “Zero-shot task transfer”, em que o modelo é capaz de transferir o conhecimento aprendido em uma tarefa para realizar outra relacionada, mesmo que não tenha recebido exemplos ou treinamento direcionado para essa nova tarefa.

É bom lembrar que o GPT passou por um processo de Reinforcement Learning from Human Feedback (RLHF), ou seja, seu aprendizado de máquina sofreu intervenção humana a partir de feedbacks durante a fase de treinamento. Mesmo com todas as informações disponíveis, o GPT ainda é uma “black-box“, sendo que seu funcionamento é opaco, sem muita “explicabilidade”.

O fato é que as ferramentas de IA Generativa usam a configuração Zero-shot pois, avançar no treinamento de máquina, é muito caro e leva tempo. Nesta corrida desenfreada da Inteligência Artificial, as Big Techs lançam produtos ainda com falhas e não se atentam para o “Dever de cuidado”, processo pelo qual devem se responsabilizar pelas consequência dos possíveis danos causados, como a desinformação.

É por isso que alguns estudiosos reivindicam o “Princípio da Precaução”, muito utilizado na Bioética, em que uma atividade é restringida com o objetivo de prevenir possíveis danos ainda desconhecidos a partir de sua execução.

Em sua defesa, o ChatGPT 3.5 responde que:

No entanto, é importante notar que a transferência “zero shot” tem limitações. Nem todas as tarefas podem ser realizadas com sucesso por um modelo de linguagem sem treinamento específico. A transferência “zero shot” é mais eficaz quando as tarefas estão relacionadas e compartilham características semânticas ou estruturais. Além disso, o desempenho na transferência “zero shot” pode variar dependendo da complexidade da tarefa e da qualidade do treinamento prévio do modelo.

Outro ponto diz respeito à relação entre o tempo de processamento do algoritmo e a acurácia do modelo de Inteligência Artificial. Em geral, quanto mais rápido o processamento do algoritmo, pior a acurácia (mais erros a IA terá). Num chatbot, em que as respostas devem acontecer como numa conversa real, a IA não pode esperar 5 minutos ou 1 dia para processar as informações. Neste caso, o ditado “a pressa é inimiga da perfeição” faz todo o sentido e também ajuda a entender as alucinações do ChatGPT.

REFERÊNCIAS:

OBS: A imagem que ilustra este texto original foi criada com a ferramenta DALL-E, que também utiliza o GPT como sistema de Inteligência Artificial Generativa.

Pesquisa Brasileira de Mídia 2016 (PBM)

Pesquisa Brasileira de Mídia 2016 (PBM)

Pesquisa Brasileira de Mídia 2016 (PBM)

Pesquisa Brasileira de Mídia 2016 (PBM) é a maior análise do consumo de meios de comunicação realizada no país. O relatório consolidado pela SECOM mostra a televisão (63%) como principal mídia apesar do crescimento do acesso à internet (26%), que já passou o rádio (7%) como “meio de comunicação mais utilizado”.

Contudo, quando a pesquisa avalia a faixa etária entre 16 e 24 anos, a internet desponta como favorita. 84% dos brasileiros disseram não confiar nas notícias publicadas nas redes sociais. Na televisão, esse número é bem menor: 46%.

O celular é o principal dispositivo de acesso à internet (91%), seguido do computador (65%) e do tablet (12%). Metade dos brasileiros (50%) disse que navega pela internet todos os dias da semana. Entre 26 e 29% dos entrevistados informaram passar mais do que 300 minutos por dia utilizando a rede mundial de computadores.

Foram entrevistadas mais de 15 mil pessoas em todos os estados do Brasil. A pesquisa traz dados importantes sobre o uso de mídias como televisão, internet, rádio, revista e jornal. Essa informações ajudam a SECOM (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República) a estabelecer critérios para a distribuição das verbas publicitárias do governo federal entre os diversos meios de comunicação.

Conheça os destaques da Pesquisa Brasileira de Mídia 2015

Mestrado sobre Cultura Digital em Duque de Caxias

Mestrado sobre Cultura Digital em Duque de Caxias

arthur william santos mariana cavalcanti nielson bezerra alexandre marques dani franciscoDuque de Caxias para quem?: imaginários sociais e apropriações de territórios na cibercultura

A partir das múltiplas representações que se reproduzem sobre a cidade de Duque de Caxias ao longo dos anos, imaginários e identidades sociais são fortalecidos e transformados. No entanto, autorrepresentações, provindas de agentes culturais da cidade organizados em uma rede, que muito se fortalece com o uso da internet, buscam desconstruir estereótipos e reivindicar a cidade que eles querem e julgam ter direito. Neste contexto, a primeira parte do trabalho se dedica a uma investigação sobre como a cidade de Duque de Caxias foi e é representada por atores diversos, incluindo seus próprios moradores. São ressaltadas as aproximações entre a produção cultural dessa rede com a construção e ressignificação de símbolos e imaginários da cidade. São realizados, ainda, estudos de caso sobre o cineclube Mate com Angu, o coletivo de quadrinistas Capa Comics e o blog Lurdinha. A segunda parte do trabalho versa sobre as relações afetivas entre a população duque caxiense e os territórios habitados, em muito transformadas pelas produções culturais que enfatizam o pertencimento à cidade. O incentivo ao melhor uso dos espaços públicos e a criação de equipamentos de lazer se apresentam como essenciais neste processo. Os resultados dessa pesquisa apresentam uma reflexão sobre as potencialidades da internet para o fortalecimento das relações em rede, para oportunizar autorrepresentações e, ainda, para provocar mobilidades. As transformações ocorridas em torno das percepções sobre a cidade, a compreensão de pertencimento a ela e a apropriação dos espaços também são pontos destacados nesta dissertação.

From multiple representations that are reproduced about the city of Duque de Caxias over the years, imageries and social identities are strengthened and transformed. Although, self-representations, made by cultural agents of the city organized as a network, which much is driven by the use of the internet, seek to deconstruct stereotypes and claim the city they want and believe they have right. In this context, the first part of this research is dedicated to an investigation about how the city of Duque de Caxias was and is represented by several actors, including its own residents. The links between the cultural production of this network and the construction and redefinition of symbols and imagery of the city are highlighted. This dissertation also includes cases of study related to Mate com Angu film club, Lurdinha blog and the group of cartoonists Capa Comics. The second part of this work approaches the affective relationships between the Duque de Caxias dwellers and the inhabited territories, transformed many times by the cultural productions that emphasize the belonging perceptions to the city. The encouragement of the best use of the public spaces and the creation of leisure equipment are presented as essential in this process. The results of this research show a reflection about the Internet potential to strengthen network relations, to create opportunities for self-representations and to improve mobility. The changes occurring around the perceptions of the city, the understanding of belonging to it and the appropriation of the spaces are also highlighted in this paper.

Canal da Cultura: estudo da UnB para o MinC

Canal da Cultura: estudo da UnB para o MinC

Recebi do Ministério da Cultura a íntegra do estudo que a Universidade de Brasília (UnB) fez em 2014 sobre a implementação do Canal da Cultura. O texto traz ótimos elementos para a discussão sobre esta TV pública.

Agradeço a ouvidora do MinC, Regina Lima, por tornar público este importante documento.

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Viabilidade, missão e mecanismos de implantação do Canal de Cultura

Prof. Dr. Murilo Cesar Ramos

Profa. Dra. Elen Geraldes

Profa. Dra. Janara Sousa

Prof. Dr. Sivaldo Pereira

Profa. MSc. Mariana Martins

Esp. Felipe Canova Gonçalves

Esp. Milena Times

Universidade de Brasília, janeiro de 2014.

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Sumário

Introdução – p.3

Cenário legal –p.7

Fundamentação conceitual – p.10

Observação de modelos correlatos: TV Brasil e TV Escola – p.20

Experiências de Televisões Educativas e Culturais na América Latina e Europa – p.34

Modelo de implantação do fórum – p.44

Referências – p.73

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Introdução

A proposta deste projeto de pesquisa é analisar a viabilidade de implantação do Canal de Cultura, um canal público de televisão, conforme previsto no Decreto n˚ 5.820, de 29 de junho de 2006, que regula o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T).

No Plano Plurianual do Ministério da Cultura, um dos objetivos estabelecidos para o triênio 2012 a 2015 é o de número 0785, que inclui “regular, fiscalizar e fomentar a indústria audiovisual, visando ao seu desenvolvimento, ao fortalecimento das empresas nacionais, à ampliação da produção, inovação e difusão das obras e dos serviços audiovisuais brasileiros, assim como à garantia de acesso à população”. Já a meta interligada a este objetivo é a de implantar o Canal da Cultura, cuja iniciativa, de número 0353, estabelece que sua “transmissão será destinada a produções culturais e programas regionais independentes”. Portanto, segundo o Plano, o Canal da Cultura não deve ser institucional, isto é, um espaço para a divulgação dos dados sobre a transparência do Ministério e de valorização de suas realizações, mas deve ser predominantemente um canal de interesse público.

Embora o texto do Plano Plurianual ofereça subsídios para a compreensão do papel do Canal da Cultura, é necessário identificar com clareza a sua missão, de modo que ele possa ser viável e efetivo em sua contribuição para a cultura no país.

No cenário atual, pensamos que um Canal de Cultura deve se voltar não somente para as produções artísticas, mas também para as científicas, tecnológicas e de inovação, compreendendo, dessa forma, a cultura em sua perspectiva mais ampla. É importante lembrar que a ciência, a tecnologia e a inovação também precisam, no país, de um esforço para se tornarem mais acessíveis ao cidadão.

Neste estudo, tentaremos responder a duas perguntas-síntese sobre a implantação do Canal de Cultura. A primeira é: qual a missão deste Canal? E a segunda questão, correlata à primeira, é: Com quais mecanismos esse Canal deve ser implantado, de forma que predomine o seu caráter público e seja viável e efetivo em sua contribuição para a cultura no país?

Diante dessas duas perguntas-síntese, estabelecemos os seguintes objetivos:

a) Estabelecer uma missão para um Canal da Cultura público, que atenda às

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expectativas do Plano Plurianual e que o torne viável e efetivo em sua contribuição para a cultura no país, compreendida como o conjunto da produção simbólica, isto e, artística, científica, tecnológica e de inovação;

  1. Propor mecanismos de implantação desse Canal, a partir de um diálogo com a legislação e as expectativas e demandas do Estado e da sociedade.

Procedimentos metodológicos

Para responder às questões formuladas anteriormente, nos amparamos em procedimentos metodológicos diversificados que nos auxiliaram a compreender a dinâmica e a complexidade do nosso objeto de estudo, que envolve uma ampla rede de atores sociais, instituições públicas e privadas, documentos, tecnologias e outros.

Assim colocado, nos baseamos, como abordagem metodológica, na teoria Ator-Rede, cujos principais autores são Latour, Callon e Law. Tal teoria é uma maneira de investigar o cotidiano, de abordar a realidade, que abre mão das velhas dicotomias utilizadas para interpretação pelas clássicas divisões das ciências como, natureza versus sociedade, e sugere lançar um olhar para os híbridos (as fronteiras fluidas) (SOUSA, 2009). Resumidamente, a proposta se constituiu em observar a rede na qual esta realidade está inserida. Em vez de observar os fenômenos como objetos separados de uma teia de influência e convivência, busca-se compreender a rede e a dinâmica do objeto dentro dela. Só assim é possível, ainda que timidamente, observar o fenômeno na sua dinâmica.

Em se tratando da discussão de implantação de um canal de televisão pública esta metodologia se mostra fundamental. Ora, implantar um canal público não depende somente da legislação que o autoriza, seus meandros, suas características, seus contornos só podem ser discutidos a partir da observação e consulta atenta da rede a qual pertence que, indubitavelmente, está composta por grupos de interesses de comunicação e cultura, tecnologias possíveis, documentos e outros. Neste sentido, é preciso seguir as pistas para observar como a rede está constituída e buscar compreender os laços que se formam entre os atores, sejam eles sociais ou técnicos.

Observando o princípio da teoria ator-rede, buscamos técnicas e instrumentos de pesquisa variados que alcançassem os diversos entes pertencentes à rede. Portanto, nossa pesquisa foi composta por quatro fases principais:

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  1. Análise documental a primeira etapa desta pesquisa foi marcada pela coleta e sistematização das fontes primárias (documentos, leis, decretos e outros) que estão relacionadas ao universo da implantação do Canal de Cultura. Realizada esta etapa, passamos para a segunda na qual empreendemos a análise dos documentos na busca de compreender os objetivos e metas em relação ao Canal de Cultura. A análise documental é fundamental e busca muito além de observar o óbvio apontado nos documentos. Trata-se, sobretudo, de um trabalho que procura ler nas entrelinhas cada um deles e compreender o cenário mais amplo a partir da comparação de todos os documentos.

  1. Revisão de Literatura esta técnica é básica e comum a qualquer estudo. Consultar os pares é compreender a importância de um acúmulo de conhecimento que nos precede e nos dá condições de analisar a realidade. Por isso, buscou-se uma ampla revisão de literatura a partir de uma seleção, feita pelos pesquisadores, de quais conceitos são seminais para se pensar a implantação do Canal de Cultura. “A citação das principais conclusões a que outros autores chegaram permite salientar a contribuição da pesquisa realizada, demonstrar contradições ou reafirmar comportamentos e atitudes”

(MARCONI e LAKATOS, 2003, p. 225). Assim, temas como: Cultura, Inovação e Comunicação Pública foram alvos de ampla pesquisa.

  1. Observação esta foi uma fase fundamental da pesquisa que consistiu na observação e comparação de experiências similares e complementares no que concerne a canais de TVs Públicas e, especificamente, canais de cultura. Dividimos esta fase em duas etapas para contemplar o máximo de experiências possíveis. A primeira observou experiências similares e complementares no Brasil, como é o caso da TV Brasil, que também busca incentivar, divulgar e promover o acesso à produção audiovisual brasileira, e a TV Escola, voltada para experiências de inovação no espaço escolar. Os objetivos foram resgatar modelos de sucesso e estabelecer os limites de atuação do Canal de Cultura, bem como os prováveis parceiros deste Canal. Esta etapa também foi marcada por entrevistas em profundidade com representantes dessas instituições. A escolha pela entrevista em profundidade

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é eficaz neste caso especialmente porque destaca a importância de cada experiência. Para além de partir já com um grupo de perguntas pré-elaboradas, que embora sejam importantes em alguns casos, podem ser limitantes em outros, parte-se do princípio que sabemos pouco sobre cada canal e que é preciso extrair do entrevistado o máximo possível de informações. Essa é uma experiência que nos permite o conhecimento mais profundo da experiência porque possibilita o diálogo com o entrevistado.

Finalmente, a segunda parte desta fase considerou um quadro mais amplo de observação e experiências similares de canais de cultura. Empreendemos uma busca por experiências na América Latina na perspectiva de reconhecê-las, analisá-las e compará-las para enriquecer a discussão sobre a implantação do Canal de Cultura. A escolha por experiências na América Latina se deve ao fato de que a diversidade que marca a região pode trazer exemplos ricos e inspiradores. Além do mais, observar como estes tipos de experiências acontecem (gestão, financiamento, plataformas e conteúdo) é importante, exemplar e deve ser alvo de análise.

  1. Análise de experiências de fóruns a última fase desta pesquisa consistiu na busca e avaliação minuciosa sobre como foram realizados fórum públicos para a discussão de canais públicos, como foi o caso do Fórum Nacional de Tevês Públicas. Esta análise nos propiciou compreender como estabelecer um debate amplo e público, mobilizando a participação de grupos de interesse, para discutir um tema de importância pública. O objetivo principal desta fase foi construir a proposta de criação do “Fórum para Implantação do Canal de Cultura”, instrumento e estratégia que julgamos seminal para definir o formato, conteúdo e plataformas do Canal de Cultura brasileiro.

Finalmente, vale ressaltar que estas etapas não foram estanques e separadas nem obedeceram a uma ordem cronológica. Elas foram fruto do debate contínuo entre os pesquisadores que se auxiliaram nas tomadas de decisões. Foram definidas a priori, no entanto, também foram fruto de alterações no decorrer da pesquisa, sempre que se observou necessário. O cumprimento destas etapas nos deu condição de propor a missão do Canal de Cultura e o Fórum para discutir o cenário de implantação.

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Cenário legal

Como definido nos procedimentos metodológicos, procederemos agora a uma

análise documental, buscando os documentos relacionados à criação do Canal de

Cultura e analisando-os à luz das interlocuções entre os diversos atores que vão compor

esta rede que permitirá a implantação do canal.

O decreto 5.829, de 29 de junho de 2006, regulou o Sistema Brasileiro de

Transmissão Digital Terrestre e criou o Canal da Cultura. O artigo 13 deste decreto

estabeleceu que a União poderá explorar o serviço de radiodifusão de sons e imagens

em tecnologia digital, observadas as normas de operação compartilhada a serem fixadas

pelo Ministério das Comunicações, dentre outros, para a transmissão de:

I – Canal do Poder Executivo: para transmissão de atos, trabalhos, projetos, sessões e eventos do Poder Executivo;

II – Canal de Educação: para transmissão destinada ao desenvolvimento e aprimoramento, entre outros, do ensino à distância de alunos e capacitação de professores;

III – Canal de Cultura: para transmissão destinada a produções culturais e programas regionais; e

IV – Canal de Cidadania: para transmissão de programações das comunidades locais, bem como para divulgação de atos, trabalhos, projetos, sessões e eventos dos poderes públicos federal, estadual e municipal.”

Já o decreto no. 7.670, de 16 de janeiro de 2012, alterou o disposto no decreto

anterior, que passou a vigorar com a seguinte redação do artigo 13:

§ 1o O Ministério das Comunicações poderá outorgar autorizações para Estados, Distrito Federal e Municípios para a exploração do Canal da Cidadania, previsto no inciso IV do caput.

…………………………………………………………………………………

§ 3o A seleção das entidades responsáveis pela

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programação das faixas de radiofrequência, em operação compartilhada com a União, Estados, Distrito Federal, ou Municípios, será feita pelo Ministério das Comunicações, por meio de processo seletivo, nos termos de regulamentação específica.” (NR).

A Portaria 489/2012 do Ministério das Comunicações regulamentou o Canal da Cidadania, estabelecendo que o Ministério das Comunicações outorgasse autorização em cada município contemplado no Plano Básico de TV Digital, ressalvadas as situações de impossibilidade técnica, de um canal digital com largura de banda de 6 MHz, para a exploração do Canal da Cidadania pelos Estados, Distrito Federal, Municípios e fundações e autarquias a eles vinculadas, que teriam até dezoito meses contados da data de publicação da norma para solicitar autorizações para exploração deste canal.

O Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb), de fato, obteve a primeira autorização para operar, em Salvador, o Canal da Cidadania A portaria do Ministério das Comunicações com essa autorização para a emissora foi publicada no dia 20 de janeiro de 2014, no Diário Oficial da União (DOU). Dessa forma, a emissora educativa pode utilizar outras quatro faixas do mesmo canal digital em que opera para transmitir programação diversificada: a primeira destinada para o poder público municipal, a segunda para o poder público estadual e as outras duas para associações comunitárias, responsáveis por veicular programação local.

Já as legislações sobre o Canal da Cultura são menos numerosas. Destaca-se o decreto nº 7.743, de 31 de maio de 2012, que estabelece como uma das competências da

Secretaria de Audiovisual do Ministério da Cultura, no art. 15, inciso XII, “planejar, coordenar e executar as ações com vistas à implantação do Canal de Cultura.”

A nossa análise documental nos permite identificar três aspectos. O primeiro é que os canais nasceram de uma mudança tecnológica, e terão de se legitimar por uma vontade política. Há um hiato entre o conhecimento técnico sobre as possibilidades de criação dos canais, e as determinações políticas sobre como esses canais serão. Um ator importante nesta Rede é a tecnologia disponível, que deve dialogar com outro ator, o sujeito coletivo, a sociedade, para construir a legitimação política desses canais.

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Relacionado a esse aspecto, emerge outro: o que será o Canal da Cultura? Ao que aspira o legislador com ele, um objetivo resumido de forma tão sintética em “ transmissão destinada a produções culturais e programas regionais”? Para responder a essa questão, é necessário mergulhar profundamente no amplo conceito de cultura, para construir delimitações necessárias para se pensar em uma programação.

O terceiro aspecto, também estimulado pela leitura dos documentos, é sobre o que o canal não será. Ele não será institucional, o que já está contemplado no Canal do Executivo e, de certa forma, no Canal da Cidadania. Também não será voltado, strictu sensu, para a formação à distância de alunos e professores, que é responsabilidade do Canal da Educação. Tal qual o Canal da Cidadania ele também se volta para o regional, como contraponto ao federal ou nacional.

Fundamentação conceitual

A análise da legislação apresentada anteriormente mostrou-nos a necessidade de definir alguns conceitos para viabilização da proposta deste estudo. O primeiro é o de Cultura. Afinal, se um Canal de Cultura é destinado a produções culturais, a qual cultura ele se destina? O segundo conceito a que recorreremos será o de Inovação. Afinal, em uma abordagem mais ampla, a produção cultural, isto é, simbólica, também envolve ciência, tecnologia e inovação.

O terceiro conceito é o de Comunicação Pública. Este conceito será indispensável para pensar os limites e possibilidades do Canal de Cultura, em sua relação com o Estado e a sociedade, tendo em vista a perspectiva de sua autonomia e sustentabilidade.

Por fim, também será importante o conceito de Fórum, já que discutiremos a implantação do Canal por meio de uma escuta e mobilização social.

Cultura

Segundo o Dicionário de Sociologia, uma das provas da grande importância do conceito de cultura para as variadas ciências humanas é o grande número de definições que ele recebeu e aparentemente ainda recebe. Uma consequência desse número excessivo de abordagens é a dificuldade de reduzir tantas definições a um número limitado de significados, pois elas chegam a ter características excludentes. Porém, se fizermos um esforço para destacar alguns eixos que norteiam o conceito, um deles é o de objetividade/subjetividade, o outro, os componentes progressivos da cultura em contraponto à equivalência qualitativa entre as culturas e ainda a ideia de cultura como evolução em confronto com a de ciclo. As várias definições de cultura frequentemente se remetem a um lugar entrelaçado pelo sistema social , e presente no sistema intrapsíquico, mas diferenciado de ambos. Esse lugar, em estudos contemporâneos, parece marcar ou caracterizar instituições, grupos, nações e coletividades. A cultura é um conceito aparentemente em expansão, pois tende a subjugar e a permear outros conceitos, inclusive mais antigos. Tornou-se tão difícil quanto responder o que é cultura, responder o que não é cultura.

Para pensar em um Canal de Cultura, o risco é incluir tudo e assim descaracterizar o canal, ou ainda excluir demais, e deixar de fora setores ou segmentos, grupos ou atores que frequentemente já estão de fora da TV brasileira.

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Para chegarmos a um conceito de cultura válido para se pensar o Canal de Cultura, vamos nos remeter ao conceito ou conceitos de cultura que a Constituição de 1988 define e destaca. Mas mesmo no texto constitucional há no mínimo quatro interpretações de cultura, assinaladas pelo jurista Júlio Cesar Pereira: a noção de cultura como bem, como patrimônio cultural, como valor e como povo. Para a primeira, e talvez mais antiga visão do tema, cultura é um bem a ser protegido pelo estado, tutelado por ele, a cujo acesso os indivíduos devem ser estimulados e orientados. Já enquanto patrimônio, a cultura consiste em um conjunto de bens de valor econômico ao qual todos os sujeitos, segundo a visão inclusiva da Constituição, são também proprietários. A cultura como valor é vista como erudição, idoneidade, qualidade. Nesta visão, há obras de “grande valor cultural” e outras, talvez, sem valor. O estado deve patrocinar e estimular as primeiras. Por fim, cultura enquanto povo remete às várias formas de ser e de viver de diferentes grupo e de diferentes etnias, que corresponderiam a diferentes culturas.

A polissemia do texto constitucional nos dá uma pista: não basta entender e apreender um conceito de cultura para aplicá-lo a um Canal de Cultura, mas se deve buscar um aspecto especifico da cultura, o de produção cultural. E este conceito se vincula ao de produção simbólica, considerando-se que uma das marcas de “ser humano” é produzir símbolos, que se manifestam de forma diferente, em diversas culturas, na culinária, no idioma, nas roupas, na arquitetura, nas crenças, na ciência, na linguagem artística.

Portanto, em busca de um conceito amplo de cultura para o Canal de Cultura, nos deparamos com o de produção simbólica, no qual a linguagem artística tem importância fundamental, mas não exclusiva. Nesse conceito reside ainda a dimensão constitutiva da ciência e da tecnologia, uma importante forma de produção simbólica, que consideraremos a partir da perspectiva de inovação.

O conceito de inovação também é muito amplo e se relaciona a várias áreas do conhecimento, como a Administração e a Sociologia da Tecnologia. Vincula-se, principalmente, a uma aplicação, à forma como alguma organização se apropria de uma ideia, de um processo e de um produto novo que pode ajudar a transformá-la. Dessa forma, podemos considerar a importância da inovação como temática no Canal de Cultura, ao mostrar como paradigmas, ideias e processo de ciência e tecnologia são difundidos e apropriados por diferentes grupos de usuários.

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Esses temas, porém, não são suficientes para se constituir um Canal de Cultura. A legislação e o processo em que o Canal foi criado remetem-se à Comunicação Pública, definida a seguir.

Comunicação Pública:

Ora, se o Canal de Cultura não se trata de um instrumento de prestação de contas do Ministério da Cultura, de atenção à Lei de Acesso à Informação, ou de mera transmissão de informação e deve ser um espaço de fomento das produções culturais, em especial as independentes, é fundamental para a criação do mesmo o debate sobre o conceito de comunicação pública. Isto se deve ao fato de que a busca e seleção das produções culturais independentes pressupõe a criação de mecanismos de diálogo com a sociedade para que esta parceria resulte num espaço democrático que efetive o fomento e o acesso à cultura no país. O diálogo deve ser o pilar que embasa este debate devendo estar presente desde a formulação do Canal de Cultura, entendido aqui como uma política pública de comunicação e cultura, até a definição do seu formato, plataformas e programação.

Comunicação Pública é um conceito relativamente recente que tem algumas acepções distintas dependendo do cenário ao qual é apropriado, como organizações, associações do terceiro setor, governo e outros (BRANDÃO, 2009). No entanto, a acepção que utilizamos aqui tem um caráter muito peculiar e está baseada no tripé: Estado, sociedade e governo. A comunicação pública depende da atuação destes três atores para acontecer. Seguramente, cada um tem um papel a desempenhar, não obstante todos corroborarem para que a discussão de temas de interesse público seja ampla e participativa.

Entendemos aqui a comunicação pública como a interlocução possível, aberta, livre e igualitária entre os cidadãos e o Estado, de forma a promover o debate racional sobre os temas de interesse público, com dinâmica capaz de interpelar os poderes instituídos e alterar condições a favor da sociedade. Pressupõe-se, portanto, que a comunicação pública não prescinda do debate e da troca de opiniões livre, não podendo ser confundida com comunicação de governo, nem com comunicação de fundo político partidário (GIL e MATOS, 2012, p. 144).

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Assim colocado, a essência da comunicação pública é o diálogo, no sentido estrito do termo, ou seja, para dialogar é preciso que as partes estejam em condições para tal. Por isso, este processo de comunicação está intrinsecamente ligado à cidadania participativa e à democracia. Os atores sociais envolvidos devem ser estimulados à participação no livre fluxo de comunicação.

Uma observação importante apontada por Gil e Matos (2012) diz respeito ao cuidado para a diferenciação necessária entre comunicação governamental e comunicação política. Autores como Duarte (2011), Brandão (2009) e Gil e Matos (2012) acreditam que a origem do conceito de comunicação pública vem da prática da comunicação governamental. No Brasil, tal modelo de comunicação remonta à Era Vargas (1930-1945), quando os fluxos informacionais eram autoritários e se resumiam quase sempre à propaganda política tutelada. A comunicação governamental foi o início do processo, contudo a redemocratização brasileira, conquistada com o fim da ditadura militar, deu outro tom a esse modelo. O empoderamento da sociedade civil organizada e as conquista da cidadania pavimentaram o cenário para que a comunicação governamental desse espaço também para a comunicação pública. Especialmente, na última década estes dois modelos conviveram juntos, sendo que o segundo foi amplamente reforçado.

A dimensão da comunicação governamental é fundamental para a democracia e deve ser exercitada. A aprovação da Lei de Acesso à Informação, Lei n˚ 12.527 de 18 de novembro de 2011, reforça a importância do fluxo de informação do governo para a sociedade, da transparência e afinal do accountability, que diz respeito à necessidade do governo prestar contas. Certamente, não há dúvidas quanto à importância deste processo para a conformação de um Estado democrático e de direitos. No entanto, a comunicação governamental tem seus pés de barro, que estão justamente ligados à questão do fluxo de informação. Isto porque ao se ancorar na dimensão da informação, o governo, ator principal deste modelo, considera que o cidadão precisa ter acesso às informações, mas não considera o diálogo como uma premissa importante. Seguramente, a informação é condição sine qua non, porém não é a única.

A comunicação pública não tem necessariamente relação com a prestação de contas, mas, sobretudo com o debate de temas de interesse público, o qual, obviamente, pressupõe a transparência e o acesso à informação. A singularidade desta comunicação, segundo Monteiro (2012), é precisamente o modelo de comunicação utilizado. Este modelo no âmbito da comunicação governamental prevê o protagonismo do governo, o

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qual pode configurar uma assimetria na atuação dos diversos atores sociais envolvidos neste fluxo de informação. Este é um processo de comunicação considerado, por muitos autores, obsoleto, já que valoriza o papel do emissor em detrimento do receptor. Neste sentido, fica claro agora porque reforçamos anteriormente a questão da informação. Neste modelo apresentado, o fluxo de informação é exercitado, já o de comunicação plena não, à medida que a dimensão do diálogo não é considerada. Isto implica dizer que o foco da preocupação é se a informação está sendo repassada, mas não necessariamente como ela está sendo recebida, percebida e compreendida.

O cenário da comunicação pública é diferente, já que por sua natureza ela jamais pode prescindir de um debate aberto e participativo. Ou seja, o modelo de comunicação aqui pressuposto coloca o protagonismo na mão de todos os atores envolvidos no diálogo. Aliás, a condição para existência desta comunicação é a simetria dos papeis sociais. Emissor e receptor, enfim, completam o processo comunicativo à medida que conversam e discutem. Logo, não se trata de um modelo assimétrico e unilateral em que só um ator tem voz. Ao contrário, o a priori deste cenário é que todos possam estar em condições de dialogar sobre os temas de interesse público.

Assim colocado, acreditamos que o Canal de Cultura deve ter bases sólidas no conceito de comunicação pública. Isto porque, conforme discutimos anteriormente, sua vocação é dar voz e espaço, em especial aos produtores culturais independentes. Decerto, a cultura é um tema de interesse público e uma política de comunicação e cultura deve ser discutida amplamente. A criação deste canal, seu formato, plataformas, conteúdos e outros aspectos deve ser fruto de um diálogo aberto que abra um convite para reflexão de todos os interessados. O investimento público em um canal de televisão precisa ser uma construção debatida, refletida e pactuada. Logo, conduzir este processo sob a égide da comunicação pública é salutar para a democracia e para o estímulo à cidadania participativa.

Outra situação que precisa ser elucidada é a diferença entre comunicação pública e comunicação política, que muitas vezes são confundidas especialmente porque depois da década de 80 o Brasil viu a política se espetacularizar nos meios de comunicação, como a televisão. A comunicação política está mais ligada aos processos eleitorais e:

(…) ao discurso e à ação na conquista da opinião pública em relação a ideias ou atividades que tenham relação com o poder” (DUARTE, 2011, p. 126). Logo percebe-se que esta comunicação está compromissada com um cenário específico da nação, os processos eleitorais; também traz uma pauta específica, voltada para a conquista da

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opinião pública; e é protagonizada pelos políticos que buscam vencer as disputas eleitorais.

Brandão (2009) acredita que há duas formas de se entender a comunicação política. A primeira, apontada no parágrafo anterior, está relacionada com utilização de técnicas e de instrumentos da comunicação por parte dos partidos políticos ou mesmo do governo para participar da arena pública de debate. Ou seja, trata-se mais propriamente da preparação destas esferas de poder para o embate midiático, no sentido de se fazer ouvir pelos canais convencionais de comunicação ou mesmo de criar os seus próprios espaços para expressão de opiniões. Já as políticas de comunicação, assinaladas como a segunda forma de se compreender a comunicação política, são um campo de estudo que se volta para a compreensão de como o Estado regula o acesso, a propriedade e os conteúdos dos meios de comunicação.

Um ponto importante a esclarecer é que a comunicação pública não está destituída do seu caráter político, muito embora não esteja voltada para as questões anteriormente citadas: utilização dos meios para alcançar a opinião pública com fins eleitoreiros ou o debate sobre as políticas de comunicação. A política aqui, entendida no seu sentido lato, está evidenciada pela construção do debate amplo, livre e aberto em busca de construir um país melhor. Logo, a diferenciação precisa ser feita, todavia é preciso observar este aspecto de que a política perpassa a seara da comunicação pública à medida que estimula a participação, a cidadania, o diálogo e a busca de soluções.

Agora há uma pergunta fundamental a ser discutida em relação aos papeis sociais dos atores envolvidos no processo de comunicação pública. Conforme Gil e Matos

(2012), o fundamento da comunicação pública é o “espírito público”, logo todos da esfera social devem participar do debate. O governo tem uma dupla função: convocar e estimular os cidadãos para o debate assim como possibilitar as condições para que eles estejam preparados para o diálogo.

A comunicação pública deve ser compreendida como política de inclusão para reduzir o “descompasso cognitivo” numa sociedade (Matos, 2009) como a brasileira, que arrastou suas desigualdades com o apoio de uma comunicação governamental elitista e centralizadora (GIL e MATOS, 2012, p.163).

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O governo no cumprimento do seu papel de provocar, estimular e participar do debate pode e deve lançar mão das tecnologias de comunicação e informação disponíveis, tais como: materiais impressos, redes sociais, televisão, rádio e outros. No entanto, é preciso deixar claro que não se trata de uma perspectiva tecnicista. A tecnologia per si não soluciona todos os aspectos necessários para a construção de um dialogo. É evidente que ela facilita este processo, especialmente considerando as dimensões continentais do Brasil e seu contingente populacional. Lançar mão dos instrumentos e estratégias adequados de comunicação é importante para se fomentar o debate dos temas públicos e para ampliar a possibilidade de escuta e fala.

Os instrumentos da comunicação pública são múltiplos e variados. Nada obstante, é preciso preservar que eles não podem remontar o velho modelo linear da unilateralidade e assimetria de papeis. Ou seja, o cenário de oportunidades de utilização dos instrumentos e estratégias deve sempre considerar o modelo de comunicação que permita o processo circular, no qual emissor e receptor não são papeis estanques, ao contrário, variam para permitir que todos tenham oportunidade de participar.

Finalmente, para concluir o debate sobre este conceito, destacamos os quatros eixos centrais da comunicação pública proposto por Duarte (2011): transparência, acesso, interação e ouvidoria social. A transparência está ligada a uma conduta pró-accountability em que o governo e seus órgãos se antecipam num processo de transparência ativa para tornar possível a tomada de decisões pelos cidadãos. A questão do acesso diz respeito aos instrumentos e estratégias que viabilizam a publicidade, no sentido de tornar público, dar informações. A interação é relativa ao diálogo, dimensão que foi amplamente valorizada neste texto dada a sua condição essencial para que haja comunicação pública. O conceito de ouvidoria social é interessante porque ele pressupõe que os agentes dos processos tenham interesse em conhecer a opinião pública sobre os temas que estão sendo discutidos.

Para complementar os eixos sugeridos por Duarte (2011), adicionamos um quinto eixo, o da advocacy, defendido pelo pesquisador colombiano Juan Camilo Jaramillo López (2011) como uma estratégia de comunicação pública. Advocacy é, segundo o autor, a mobilização social. Isto implica dizer que para que haja esta comunicação, além dos eixos mencionados anteriormente, é necessário que se estabeleça uma convocatória, um estímulo à participação que seja consciente e contínuo. Afinal, não mobilizar a população significa ao fim e ao cabo inviabilizar o diálogo.

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O Canal de Cultura deve ser fruto de um processo de comunicação pública, já que a cultura – sua produção e acesso – é, por excelência, um tema de grande interesse social. Logo, os agentes envolvidos devem motivar os cidadãos e ouvir a opinião para a tomada de decisões pactuadas num processo de comunicação circular. A comunicação pública legitima o processo de implantação de uma política pública. Ela é a condição básica para o acesso e participação.

Fórum como espaço privilegiado de debate

Para implementar o Canal de Cultura acreditamos que apoiar-se somente em instrumentos de Comunicação Pública baseados no estrito repasse de informações é insuficiente, ainda que eles prevejam a sondagem da opinião pública. A implementação de um canal público de televisão demanda diálogo e controle social. A participação dos cidadãos desde o princípio do debate é fundamental, inclusive, e em última instância, para sobrevivência e sustentabilidade do canal. Assim posto, a assunção de instrumentos de comunicação que superem o modelo clássico é seminal e estratégico para criação e manutenção do Canal de Cultura.

O modelo de participação ativa do cidadão pressupõe um processo de comunicação horizontal baseado na parceria e no estímulo ao engajamento da sociedade na formulação de políticas públicas. As novas tecnologias da informação e comunicação, que privilegiam a interação entre os atores sociais independentemente de suas localizações geográficas, são ferramentas valiosas para a viabilização da participação mais ativa do cidadão. Este é um modelo de comunicação que ainda está em fase experimental em vários países. No Brasil, a experiência de elaboração do orçamento participativo em algumas prefeituras tem demonstrado o êxito da iniciativa, que tem seu foco na participação deliberativa sobre os investimentos e fiscalização dos gastos públicos por parte da sociedade (NOVELLI, 2006, p.87).

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O modelo de participação ativa do cidadão, apresentando por Novelli, é fundamental para se discutir o Canal de Cultura, desde suas plataformas, conteúdo, financiamento e gestão. Logo, propomos o fórum de debate como um instrumento capaz de permitir a ampla participação dos cidadãos, além de garantir os valores intrínsecos da Comunicação Pública: transparência, acesso, interação, ouvidoria social, accountabillity e advocacy.

Do ponto de vista etimológico, o termo fórum vem do latim e significa praça pública, local destinado à discussão pública. Portanto, o fórum de debate consiste em mobilizar a sociedade e os grupos de interesse para discutir um determinado tema. Ou seja, a proposta de um fórum para implementação do Canal de Cultura vai permitir a discussão ampla e transparente para que o desenho desta política pública seja um pacto coletivo. O fórum pode mediar o debate assim como preparar as partes envolvidas, trazendo mais informações sobre o tema, outras experiências semelhantes e relatos importantes que, seguramente, vão qualificar o diálogo e auxiliar na tomada de decisões.

O fórum como instrumento de Comunicação Pública tem três características principais que enriquecem o debate e fortalecem os pactos coletivos em torno das políticas públicas. A primeira característica diz respeito à informação. Uma das principais iniciativas de um fórum é prover o máximo de informações possíveis para os participantes buscando equiparar os pares com relação ao nível de conhecimento sobre o tema discutido. Assim tanto o governo quanto os grupos de interesse podem enriquecer o debate agregando informações sobre as temáticas.

Como segundo aspecto tem-se a questão da interação entre Estado e sociedade. Essa interação no debate é ainda mais complexa ao se compreender sociedade não como um grupo único, mas sim como comunidades com interesses e argumentos que precisam ter voz e dialogar entre si e com o Estado. Essa diversidade nos revela a complexidade dos temas muito além das polaridades. A natureza da participação nos fóruns é extremamente rica e complexa já que não se encerra em termos individuais ou unicamente nas mãos de grupos mais empoderados. Ao contrário, a essência do fórum é estimular a participação de todos os grupos que têm interesse nesse tema. Logo, esta interação se dá de modo mais rico e dinâmico, uma vez que as comunidades ou grupos podem ouvir a si mesmos e conhecer melhor os diversos argumentos.

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Finalmente, o fórum se destina à tomada de decisões coletivas, que embora não sejam fáceis de ser obtidas têm a seu favor a legitimidade e o pacto em torno das deliberações. A essência do fórum é justamente esta: a participação ativa e cidadã em busca de acordos e pactos sobre temas de interesse público.

A estratégia utilizada na formulação dos fóruns de debate contempla o diálogo possível entre Estado e sociedade. Logo, neste relatório apontamos a necessidade de realização do Fórum para Implantação do Canal de Cultura, que permitirá esse diálogo rico em torno das questões sobre este canal, tais como: plataformas, conteúdo, financiamento e gestão. O estímulo à participação dos mais diversos grupos de interesse sobre os temas de cultura e televisão pública, à interação entre eles e o governo e à tomada de decisões coletivas é o caminho para a legitimação social desta política pública.

Observação de modelos correlatos: TV Brasil e TV Escola

Para fins desta pesquisa, buscou-se analisar duas emissoras cujo papel de alguma forma pode ser usado como base para ser pensado o Canal da Cultura. A TV Brasil, ligada à EBC (Empresa Brasil de Comunicação), e a TV Escola, ligada ao Ministério da Educação, foram as emissoras escolhidas para análise. Primeiramente, foram analisadas as duas emissoras de forma a entender o caráter (a que se destina) e a programação (como se expressa o caráter) das duas emissoras. Um estudo dos documentos de criação, da página eletrônica e da programação das emissoras foi feito como ponto de partida e em seguida foram realizadas entrevistas com dirigentes destas tevês. Toda a pesquisa, bem como as entrevistas, foram feitas a partir de quatro eixos centrais: Governança, Financiamento, Programação e Parceria.

A TV ESCOLA

A TV Escola é o canal da educação. É a televisão pública do Ministério da Educação destinada aos professores e educadores brasileiros e aos alunos . A TV Escola não é um canal de divulgação de políticas públicas da educação. Ela é uma política pública em si, com o objetivo de subsidiar a escola e não de substituí-la. Bem como, não é objetivo da TV Escola substitui o professor ou a aula. A TV Escola se propõe a ser uma ferramenta pedagógica disponível ao professor: seja para complementar sua própria formação, seja para ser utilizada em suas práticas de ensino.

Ainda com base na auto-apresentação do veículo, o conteúdo da TV Escola tem como base as disciplinas ensinadas nas escolas, “conhecimento da Língua Portuguesa, da Matemática, das ciências da natureza: Física, Química e Biologia; das ciências humanas: História, Geografia, Sociologia, Filosofia. Este conhecimento é detalhado e organizado pelas diretrizes curriculares da educação brasileira.”

São ainda de interesse do canal todos os assuntos relacionados com a escola e a educação: o ensino e a aprendizagem, a didática, a pedagogia, a realidade da educação brasileira e mundial, a gestão da escola, as melhores práticas da educação, dentro e fora da escola e do ensino formal. Todo o universo que envolve a educação é tema da TV Escola.

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GESTÃO E FINANCIAMENTO

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No organograma do Ministério da Educação, a TV escola está localizada dentro da Secretaria de Educação Básica (SEB), responsável pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Na SEB, a TV Escola está ligada à Diretoria de Formulação de Conteúdos Educacionais e, mais especificamente nesta diretoria, a TV é de responsabilidade da Coordenação Geral de Mídias e Conteúdos Digitais.

Segundo Carvalho (2014), a TV Escola é o canal do poder executivo federal criado pela Lei do Cabo, que deu origem também às tevês legislativas e aos demais canais básicos de utilização gratuita. “A alínea f do Art. 23 da lei 8977 de 1995, citada na descrição da TV NBR, permite a criação, na verdade, para o poder executivo, de canais ligados aos Ministérios da Cultura e da Educação. Foi, nesse escopo, que a TV Escola entrou no ar também em meados da década de 1990” (p. 182). Ainda de acordo com a autora, apesar de ter sido criada ainda em 1995, a TV Escola só foi transmitida em cadeia nacional oficialmente em 4 de março de 1996.

Toda a TV Escola, ou melhor, toda a coordenação que cuida da TV e dos conteúdos digitais do ministério, é composta por 115 pessoas. Destas 115 pessoas, 111 são contratadas via Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto) e apenas 4 são funcionárias do próprio MEC. Esta prática de terceirização da TV foi criticada pelos gestores como sendo uma iniciativa quase de desresponsabilização do ministério com a continuidade do projeto da televisão. Na opinião dos gestores entrevistados para essa pesquisa, com o crescimento da terceirização do canal houve também um afastamento da tevê e do seu conteúdo das diretrizes do MEC para educação básica. Falta, na opinião dos gestores, uma retomada do processo de gestão da TV pelas estruturas do próprio ministério, sendo indicada inclusive a volta de estrutura de conselhos dentro do próprio ministério. Enquanto a TV Escola foi uma diretoria dentro do MEC, existia um Conselho formado por várias outras diretorias da Educação Básica para pensar a adequação das diretrizes aos conteúdos da TV. Desde que houve a mudança de estrutura, a TV segue sem um conselho ou estrutura similar que não só indique mas avalie o conteúdo produzido pela TV.

O financiamento da TV é exclusivamente do ministério e, atualmente, é praticamente todo repassado para a Acerp, que cuida da execução de toda a programação da TV. Não há uma rubrica específica destinada à TV Escola. Até 2011,

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quando ela fazia parte da Secretaria de Educação a Distância (SEED), o orçamento anual da TV era de aproximadamente 80 milhões, sendo que 35 milhões, mais ou menos, eram repassados à Acerp para os serviços de transmissão e produção de linha. O resto ficava na Diretoria de Produção de Conteúdo e Formação em Educação a Distância (DPCEAD) para ações como licenciamento, impressão e distribuição de uma revista da TV Escola, copiagem e distribuição dos DVDs Escola, e projetos de coprodução.

Os valores de financiamento, que em 2013 foram de aproximadamente 40 milhões, não são garantidos no ano seguinte. Ano após ano, a diretoria apresenta as ideias da TV Escola como projetos e estes são aprovados ou não no ministério. Este formato também é considerado falho pelos atuais gestores.

Atualmente, a Acerp executa serviços de licenciamento, produção e distribuição em múltiplas plataformas: TV, o site da TV, o Portal do Professor e aplicativos para os tablets distribuídos pelo MEC.

PROGRAMAÇÃO

Com base nas características e nas diretrizes, a programação da TV Escola é basicamente de programas educativos nas faixas em que a educação básica compreende, mas também com programas que atendem especificamente o professor e sua formação. Percebe-se que a página da TV Escola na Internet não é um mero instrumento de divulgação da programação ou repositório, mas que, apesar de fazer esse papel, ele também é um canal de diálogo com o professor, inclusive a partir de outro projeto que é o Portal do Professor, por exemplo.

A TV Escola funciona 24h, seus programas são praticamente todos pensados por uma equipe da TV que está sediada no MEC, em Brasília, e executada nas dependências da Acerp, no Rio de Janeiro. Atualmente, todos os programas são de produção própria. Atualmente, são poucas as produções em parceria, como no exemplo do programa que ainda está no ar e que foi produzido em parceria com a EBC, Conhecendo Museus.

A programação funciona a partir de faixas:

Curso de Línguas cada dia da semana um programa com uma língua

estrangeira diferente;

Horário do Professor todos os dias e tem como principais programas o Salto para o Futuro (formação de professores) e a Sala de Professor (ensino médio);

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Horário do Aluno que tem sub-faixas divididas etariamente Fundamental (ensino fundamental), Zero a seis (educação infantil);

Público Geral Semanas da TV escola (público geral), Documentários Especiais (público geral).

Todos os programas de linha, os interprogramas, as chamadas etc, são produzidos pela Acerp para todas as plataformas. Além disso, existem editais para produção independente.

DISTRIBUIÇÃO

A TV Escola é uma plataforma de comunicação baseada na televisão e distribuída também na internet. Na televisão, ela é distribuída por satélite aberto, analógico e digital, para todo o território nacional, atingindo, segundo dados da página da TV na Internet, 15 a 20 milhões de antenas parabólicas. Além da distribuição por satélite aberto, a TV é distribuída pelas operadoras de TV por assinatura.

O MEC estima um público potencial neste segmento de cerca de 1,5 milhão de assinantes. O sinal da TV Escola está também disponível simultaneamente na internet, no portal tvescola.mec.gov.br. Usuários de SmartPhones e Tablets também podem acessar o sinal da TV Escola ao vivo por meio de aplicativos para aparelhos com sistema iOS e Android.

Nas escolas brasileiras, cerca de 50 mil escolas têm antenas e televisores instalados para recepção da TV Escola. O MEC estima que, em breve, em consórcio com as emissoras públicas do Brasil, a TV Escola será distribuída na rede pública do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre – SBTVD-T, por radiodifusão de transmissão terrestre, em regime de multiprogramação, nas 27 capitais do Brasil e em uma segunda etapa, nas 229 maiores cidades brasileiras.

TV DIGITAL

O Decreto 5820/2006 que prevê o Canal da Cultura, prevê também o Canal da Educação. Assim como os demais canais públicos, na plataforma digital o Canal da Educação fará multiprogramação e terá um canal interativo e mais três subcanais,

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totalizando quatro programações. De acordo com informações prestadas pelos gestores, os canais serão divididos da seguinte forma:

  1. Canal Interativo: reproduzirá a programação da TV Escola com projetos de interatividade que estão sendo construídos;

  1. Subcanal Universitário: um subcanal será destinado às tevês universitárias de cada localidade.

  1. Subcanal Parceria Local: O canal pode ser usado pela Secretaria Estadual e/ou Municipal de Educação quando as mesmas tiverem alguma produção audiovisual nesse sentido.

  1. Subcanal Parceria Local: O canal pode ser usado pela Secretaria Estadual e/ou Municipal de Educação quando as mesmas tiverem alguma produção audiovisual nesse sentido.

Como as concessões de TV Digital serão dadas por localidade, dois subcanais estão livres para parceiros, que serão prioritariamente as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, como forma de fazer com que a política chegue para diferentes níveis do Estado.

A TV BRASIL

Analisamos a seguir o modelo de gestão da TV Brasil e a sua programação, mais especificamente em relação ao conteúdo diretamente relacionado à cultura. As informações apresentadas foram colhidas por meio do site tvbrasil.ebc.com.br, do Roteiro de Debates e da Revista do Conselho Curador, além de uma entrevista com o Diretor de Conteúdo e Programação, Ricardo Soares.

GESTÃO

A gestão de conteúdo da TV Brasil é atualmente realizada pela Diretoria de Conteúdo e Programação da EBC, criada recentemente em abril de 2013, de acordo com as diretrizes elaboradas pelo Comitê de Programação, formado pelo Diretor desta

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diretoria, juntamente com o Diretor Geral, o Diretor de Produção, o Diretor de Jornalismo e os Superintendentes Regionais. O Comitê decide sobre a aprovação e renovações de contratos, a inclusão e retiradas de programas do ar e as demandas levantadas por cada diretoria, além das recomendações apresentadas pelo Conselho Curador da EBC. As competências de cada uma dessas instâncias se distribui da seguinte forma:

  • Diretoria de Conteúdo e Programação: responsável pela elaboração da grade de programação – de acordo com as diretrizes do Comitê e com a missão geral da TV, que leva em consideração os preceitos da Comunicação Pública – tentando conciliar com outras variantes como a audiência. Alinha na grade a produção própria, os conteúdos licenciados e os programas fornecidos pelas televisões parceiras.

  • Diretoria de Produção: responsável pela produção própria da TV e pela coprodução com outras produtoras de parte dos conteúdos veiculados. De acordo com levantamento realizado no primeiro semestre de 2013, um total de 34,83% da programação da TV Brasil foi de produção própria.

  • Diretoria de Jornalismo: responsável pela produção do conteúdo jornalístico.

  • Superintendências Regionais: atualmente divididas em Centro-Oeste/Norte, Nordeste, Sudeste I e Sudeste II/Sul, são responsáveis pela promoção dos conteúdos regionais.

  • Conselho Curador: formado por 15 representantes da sociedade civil, 4 do Governo Federal (ministros da Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Secretaria de Comunicação Social da Presidência), 1 da Câmara dos Deputados, 1 do Senado Federal e 1 funcionário da Empresa, o Conselho é um instrumento de participação da sociedade, responsável pela aprovação anual do plano de trabalho e da linha editorial da EBC, assim como pela fiscalização da sua aplicação.

CARACTERÍSTICAS

De acordo com Ricardo Soares, há cerca de 90 programas atualmente no ar na TV Brasil, sendo 60% da grade composta por programas licenciados ou obtidos via

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acordos com Ancine e Prodav, Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro, que prevê investimentos em desenvolvimento, produção e programação de obras destinadas ao mercado de televisão. Os outros 40% estão distribuídos entre produção própria, parceria, coprodução e jornalismo. Ainda segundo o Diretor de Conteúdo e Programação, a missão da TV Brasil, enquanto uma televisão pública, é exibir conteúdos variados, com a maior diversidade possível, oferecendo aos espectadores o que não é ofertado nas outras televisões.

A seguir, detalhamos as formas de obtenção dos conteúdos veiculados na TV:

  • Produção Própria: conteúdo cuja totalidade das fases da produção são realizadas com recursos humanos e físicos próprios.

  • Coprodução: ação conjunta realizada entre a EBC e o produtor independente, voltada à produção audiovisual, em conformidade com os planos editoriais da TV, ocorrendo ou não a divisão patrimonial, podendo assim ser considerado uma coprodução independente ou não.

  • Licenciamento: conteúdo cuja totalidade dos direitos patrimoniais pertencem a terceiros e são cedidos mediante contrato para a exibição na TV.

  • Parceria: conteúdo produzido a partir da gestão associada entre a EBC e entes federados e/ou entidades sem fins lucrativos mediante Acordo de Cooperação Técnica ou convênios.

A escolha das produtoras contratadas ou coprodutoras se dá através de dois mecanismos. O pitchin, isto é, uma chamada pública à inscrição de projetos ou pilotos com determinado tema que serão escolhidos através de edital, por uma comissão de seleção formada especificamente para esta finalidade; ou por meio do Banco de Projetos presente no site da EBC, onde propostas de licenciamento e produção podem ser apresentadas sem convocatórias específicas e escolhidas de acordo com a demanda do Comitê de Programação.

Atualmente, os principais parceiros da TV Brasil são as TVs educativas e de cultura dos Estados e outras televisões públicas, entre as quais se destacam a TV Aperipê de Sergipe, a TVE da Bahia, a TV Cultura de São Paulo e a Rede Minas. Todas as televisões parceiras retransmitem majoritariamente a TV Brasil e produzem conteúdo próprio, de acordo com a capacidade financeira e estrutural de cada uma. Outros destaques são a Ancine, com a qual a TV possui uma parceria em curso de quase 130 milhões de reais, via Fundo Setorial do Audiovisual/Prodav, e a Secretaria de

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Audiovisual do Ministério da Cultura, que tem apresentado editais de fomento focados na produção de séries voltadas para a TV Brasil.

PROGRAMAÇÃO

A TV Brasil possui uma programação bastante diversificada. De acordo com a finalidade deste estudo, focaremos na parte da programação voltada mais especificamente para expressões artísticas e culturais. De forma geral, esse viés da programação está distribuído da seguinte forma, de acordo com o levantamento realizado em 2013:

  • Animação: ocupa 21% da grade. Cerca de metade do seu conteúdo é de produção brasileira, sendo 93% de produção independente obtida via licenciamento e 98% de temática infantil;

  • Documentário: ocupa 7,65% da grade. Cerca de metade dos documentários são brasileiros de produção independente, 60% realizados via parceria e 31% exibidos via licenciamento;

  • Ficção e Dramaturgia: ocupa 14% da grade. Quase a totalidade do conteúdo é de produção independente, mas apenas 28% é brasileiro. A maior parte é de licenciamentos (80%) e cerca da metade possui temática infanto-juvenil;

  • Videomusical: ocupa 5,8% da grade, sendo todos os programas produzidos no Brasil, 56% de produção própria e 38% parceria.

    • possível perceber que uma parte importante da programação está voltada para o público infanto-juvenil, não apenas na quantidade de programas, mas na distribuição na grade: ocupam praticamente todas as manhãs e tardes durante os dias de semana e os domingos. Excetuando os programas infantis e as teledramaturgias estrangeiras, também é possível traçar um perfil da programação cultural da TV Brasil. São 11 programas voltados para o cinema, 9 para a música, 9 voltados para a arte independente, diversidade regional e/ou cultura de periferia, 4 sobre História, 3 teledramaturgias ou literaturas adaptadas, 2 sobre ciência e tecnologia e 1 sobre produção televisiva (detalhamento em anexo).

No total, são cerca de 39 programas de cultura na grade, dos quais 25 encontram-se atualmente no ar, em sua maioria semanais. Cinema e música possuem os

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maiores destaques, demonstrando o desafio de transpor as demais manifestações artísticas e culturais para a televisão. De toda forma, de acordo com o Monitoramento de Programação realizado em 2012 pela Ancine, a TV Brasil encontra-se no primeiro posto da exibição de cinema nacional em televisão aberta de cadeia nacional, com 50% dos filmes exibidos de origem brasileira.

DESAFIOS

Segundo o Diretor de Conteúdo e Programação, Ricardo Soares, apesar dos avanços que o modelo da TV apresenta, existem vários entraves e desafios. O primeiro colocado é burocracia e a falta de agilidade que a Lei 8.666/93, que rege a criação da

EBC, impõe ao processo de produção da TV Brasil: “Muitas vezes os ritos burocráticos inviabilizam uma programação mais ágil e mais atualizada. A lei que nos rege não combina com a dinâmica da nossa atividade”, afirma. Soares defende que esses entraves burocráticos muitas vezes impedem uma maior continuidade dos programas e o fluxo da programação. Na sua opinião, os cerca de 90 programas atualmente no ar podem ser reduzidos, para que se consiga garantir melhor qualidade e continuidade. Da maneira como funciona a TV Brasil, a aquisição de conteúdo é o mecanismo fácil e ágil, enquanto a produção própria é a mais difícil e complexa.

O segundo grande desafio apontado é a composição de uma grade de programação que apresente não apenas um conteúdo diferenciado das outras TVs, mas que também reflita a diversidade regional do país e os grupos minoritários. A maior parte da programação ainda é gerada no eixo Brasília-Rio-São Paulo e o estabelecimento de parcerias e coproduções com outros estados é uma meta. Na mesma linha, existem ações para trazer uma programação internacional mais diferenciada, como a exibição de filmes e séries latino-americanas, asiáticas e africanas.

Outro desafio é aumentar a transversalidade da TV. Existe um setor responsável pela adaptação do conteúdo das rádios e da TV para a internet, mas nem todos os programas têm a hospedagem/transmissão pela internet na cláusula de contrato. Para sanar essa deficiência, a diretriz é que a transversalidade esteja prevista desde o início dos contratos e licenciamentos. A tendência é que cada vez mais os conteúdos sejam acessados pela internet e ter a possibilidade de assistir à programação das TVs públicas online pode ser crucial para o aumento e manutenção da audiência.

28

Durante o Roteiro de Debates que discutiu a programação de ficção e dramaturgia da EBC, em outubro de 2013, foram levantadas ainda outras questões e propostas. A principal gira em torno da inovação e da liberdade criativa que uma televisão pública permite, por não estar amarrada a anunciantes, e que deveriam ser tomadas como meta. É preciso avaliar os riscos de audiência, mas também é possível arriscar em produtos mais ousados que podem fazer a diferença na TV brasileira, tanto do ponto de vista artístico, quanto de incentivo à formação de uma consciência crítica.

Para tanto, é preciso avaliar e reformular as formas de investimento e distribuição. É consenso que produções dramatúrgicas tendem a requisitar altos orçamentos e é preciso garanti-los em prol da qualidade do produto final. Da mesma forma, é preciso lutar para garantir o mínimo de direcionamento para as TVs públicas dos investimentos via Fundo Setorial para produções televisivas, para que as obras financiadas não se restrinjam à exibição em TVs comerciais.

DISTRIBUIÇÃO

A TV Brasil possui transmissão via sinal analógico e digital, além da transmissão via televisões por assinatura e via internet no site. Em canais abertos, pode ser sintonizada nas cidades do Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo, São Luís, Cabo Frio, Campo dos Goytacazes, Macaé, Belo Horizonte, Juiz de Fora, Tabatinga e Porto Alegre, e também via retransmissão de 34 tevês educativas distribuídas em 22 estados da federação. Por motivos relacionados a direitos de exibição, apenas a programação da TV Brasil Internacional é transmitida em tempo real pela WebTV e somente uma parte da programação restante tem os episódios anteriores hospedados no site.

RESUMO GRADE DE PROGRAMAÇÃO

Programas focados em expressões culturais

PROGRAMA

TEMÁTICA

DIA/

SINOPSE

HORÁRIO

1

ANIMANIA

Cinema /

Espaço para exibição, debate e

animação

reflexão do processo criativo da

animação. Entrevistas, discussões

sobre novas tecnologias, notícias e

bastidores, além de curtas-metragens,

vídeos experimentais, clipes musicais

e comerciais.

2

CICLOS DE

Cinema

Sáb, 22h30

Exibição de longas-metragens de

CINEMA

diversas cinematografias.

3

CINE

Cinema

Dom, 18hs

Exibição da produção nacional de

NACIONAL

Sex, 22hs

longa-metragem de ficção e

documentário, de várias épocas e

gêneros.

4

CURTA OS

Cinema

Exibição de curtas-metragens

CURTAS

nacionais.

5

CURTA TV

Cinema

Dom, 0h30

Exibição de filmes e notícias sobre o

universo do curta-metragem, com o

objetivo de divulgar e incentivar a

produção de curtas brasileiros.

Coproduzido pela Associação Revista

do Cinema Brasileiro.

6

FESTIVAL

Cinema

Dom, 18hs

Exibição dos filmes protagonizados

MAZZAROPI

por Amacio Mazzaropi, sucesso de

público entre os anos 50 e 70 no país.

7

REVISTA DO

Cinema

Sáb, 21h30

No ar há 18 anos, o programa

CINEMA

apresenta matérias sobre cinema de

BRASILEIRO

curta, média e longa-metragem, pautas

sobre TV com ênfase na produção

30

independente e nas iniciativas

inovadoras, além da produção voltada

para a internet e celular.

8

SOY LOCO POR

Cinema

Dom, 23hs

Exibição de filmes produzidos na

TI CINEMA

Sex, 0h30

América Latina, Espanha e Portugal, o

que permite conhecer a produção

ibero-americana.

9

MEDIA

Cinema

Horários

Filmes e documentários nacionais, de

NACIONAL

variados

média-metragem, de vários gêneros

brasileiros.

10

DOC TV

Cinema

Sáb às 2h30

Exibição dos documentários co-

Dom às 3hs

produzidos pelo Programa de Fomento

à Produção e Teledifusão do

Documentário Brasileiro (DOCTV).

11

DOC ESPECIAL

Cinema

Dom, 2hs

Documentários nacionais e

Seg, 23h30

estrangeiros sobre temas de interesse

Qui, 0h30

mundial, cultura e fatos históricos.

12

DIREÇÕES

Teledramaturgia

Criado pela TV Cultura em parceria

com o SESC TV, o programa promove

o debate, a pesquisa e a

experimentação de novas linguagens

em teledramaturgia.

13

A GRANDE

Música

Sáb, 4h30

Aborda a música clássica enquanto

MÚSICA

uma maneira de compreensão do

mundo e uma forma de atender a uma

necessidade social, mostrando a

música como exercício de cidadania.

14

ALTO-FALANTE

Música

Sáb, 13hs e

Revista eletrônica dedicada à música

3h30

pop e suas vertentes. Produção da

Rede Minas

15

MUSICOGRAMA

Música

Apresenta a música popular brasileira

às novas gerações, a partir da

digitalização do acervo da emissora.

31

Além do material com depoimentos e

apresentações do acervo digitalizado,

serão adicionados dados e curiosidades

sobre os artistas.

16

SAMBA NA

Música

Dom, 20hs

A atração é apresentada pelo

GAMBOA

Ter, 22hs

sambista símbolo da nova geração,

Diogo Nogueira, e apresenta novos e

consagrados artistas da música

brasileira.

17

SEGUE O SOM

Música

O programa pretende divertir e

informar com música, clipes,

entrevistas, lançamentos, dicas e muito

conteúdo.

18

SOM NA RURAL

Música e arte

A rural Willys 1969, pilotada pelo

apresentador Roger de Renor, conduz

o espectador por capitais e cidades do

interior do Nordeste até o ponto em

que o artista convidado fará uma

apresentação. O objetivo é oferecer um

repertório diferenciado, fruto do

trabalho de artistas que têm a chance

de expor sua música e trajetória.

19

VIOLA, MINHA

Música

Dom, 9hs

Com 31 anos de transmissão, o

VIOLA

programa é apresentado pela cantora e

folclorista Inezita Barroso, que fez do

palco do Teatro Franco Zampari um

altar da tradicional música de raiz.

Produção da TV Cultura.

20

SINFONIA FINA

Música

Qua, 23hs

A série pretende estimular novos

talentos e ampliar a cultura musical,

trazendo a cada episódio dois

instrumentos musicais e dois músicos,

que discutem suas particularidades e

32

origens. Produção da TV Cultura.

21

SR. BRASIL

Música e

Sáb, 17h30

O Sr. Brasil é uma produção original

literatura

da TV Cultura, que destaca os ritmos e

os temas regionais brasileiros,

recebendo artistas que compartilham a

sua arte. No programa, vale tudo já

escrito em prosa, verso e música.

 Leia o estudo completo da UnB sobre o Canal da Cultura do MinC

Canal da Cultura: estudo da UnB para o MinC

Canal da Cultura: MinC pode fazer TV pública com pontos de cultura e mídia livre

canal da cultura MinC ministerio tv publica

Canal da Cultura pode inovar com TV pública não-estatal e descentralizada

Depois do anúncio da criação dos canais da Cidadania e da Educação, previstos no decreto de 2006 que instituiu o padrão de TV digital no Brasil, o governo federal divulgou, na última semana, a criação do Canal da Cultura. Agora, é o Ministério da Cultura (MinC) que tem, em suas mãos, uma poderosa ferramenta para inovar a comunicação pública no Brasil. E ouvir a sociedade é o primeiro passo. A medida surge como possibilidade para a construção de um sistema público de comunicação plural com TVs não-estatais. Mas para tal é preciso fugir dos erros do passado e acelerar sua implementação.

Infelizmente, antes de um diálogo com a sociedade, foi assinada a portaria sobre o tema, em parceria com o Ministério das Comunicações. É verdade que trata-se de um texto genérico, que não apresenta definições sobre como se dará o funcionamento do novo canal. Mas a própria portaria, como já ocorreu com outras ações da pasta, poderia ter passado por um processo de consulta pública antes de ter sido firmada. Tampouco o Ministério tornou público um estudo realizado no ano passado, em parceria com a Universidade de Brasília, sobre a viabilidade de implantação do Canal da Cultura. A pesquisa analisou questões como gestão, financiamento, plataformas e conteúdo, e é fundamental que seja aproveitada no processo de implantação do novo canal.

A radiodifusão está em crise e um novo modelo de televisão pública pode dar novos horizontes a este tipo de comunicação. Por isso não é possível esperar muito para acertar o passo.

O Canal da Cultura deve ser um espelho das demais políticas públicas do MinC, descentralizando suas ações e a produção do conteúdo a ser veiculado, e permitindo a cogestão da emissora com a sociedade. Esta foi a indicação do ministro Juca Ferreira durante debate com artistas da Baixada Fluminense; sinalização confirmada pelo secretário do Audiovisual, Pola Ribeiro. Centralizar sua operação e a programação do canal, mesmo que em forma de curadoria, seria um erro. Uma das grandes falhas na regulamentação do Canal da Cidadania foi justamente conceder a exclusividade de sua operação por parte do poder público. A medida do Ministério das Comunicações tem impedido a instalação da emissora em municípios onde não há vontade do Poder Executivo local – mesmo havendo interesse da sociedade civil e já funcionando um canal comunitário na TV por assinatura.

Resultado dessa opção do Canal da Cidadania é que apenas 6% dos municíoios brasileiros solicitaram a outorga e, quase três anos depois da sua regulamentação, apenas a cidade de Salvador avançou no processo. Isso porque, na verdade, a TVE Bahia transformou-se em Canal da Cidadania.

Já o Canal da Educação depende 100% da ação do MEC para se concretizar, num cenário de grandes cortes de recursos na TV Escola e recentes demissões na Acerp, responsável pela produção da TV.

Aprendendo com o passado recente, o Canal da Cultura poderia experimentar um modelo que deu certo na Rádio Cúpula dos Povos da Rio+20. A emissora comunitária, que funcionou temporariamente durante o encontro paralelo da sociedade civil à convenção da ONU sobre o clima, teve sua outorga concedida pela EBC, porém era operada pela própria sociedade. Uma das possibilidades para o novo Canal da Cultura é esta. O MinC poderia viabilizar a outorga para a operação direta do Canal por Pontos de cultura, TVs comunitárias e Pontões de Mídia Livre. Isso ajudaria na rápida implementação da política pública e fortaleceria a comunicação pública não-estatal, ainda muito pouco valorizada no Brasil.

É claro que seriam necessários investimentos de fomento à produção e distribuição de conteúdos. Mas o Ministério da Cultura tem capacidade de envolver a ANCINE (agência reguladora e fomentadora do audiovisual) e sua própria estrutura interna, que já possuem programas de incentivo ao Canal da Cidadania, e as próprias TVs do chamado campo público. Pastas como a Educação, a Saúde e até mesmo a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) desenvolvem ações de cultura e comunicação que poderiam se somar na implementação do Canal da Cultura – antes mesmo da criação do sonhado fundo para a comunicação pública no país.

Além do financiamento do Canal da Cultura, a gestão é outro desafio a ser superado. A manutenção de modelos centralizados e verticais de gerenciamento de redes bate de frente com as redes distribuídas da mídia livre e da cultura digital. A sociedade não quer apenas exibir programas na grade desta nova TV. Ela quer ir além da produção e cogerir a emissora. Isso significa implantar o funcionamento de conselhos, audiências, consultas e debates, primordiais para que uma televisão seja realmente pública.

Outro ponto diz respeito à tecnologia. O sistema de TV digital adotado no Brasil é extremamente subutilizado. Quase nenhuma emissora faz uso da multiprogramação ou da interatividade, tampouco pensa estratégias para mobilidade. A grande maioria dos canais apenas repete a programação do sistema analógico em alta definição, desperdiçando os avanços que a digitalização proporciona. O Canal da Cultura tem a oportunidade de experimentar a multiprogramação, com iniciativas que atendam às diretrizes normativas, sejam elas produzidas por universidades, comunidades ou pelos poderes públicos locais.

Estabelecer espaços fechados aos quais as iniciativas devem se adequar é o que o Ministério das Comunicações faz com as rádios e TVs comunitárias há anos, tendo como consequência a ilegalidade de boa parte das emissoras realmente comunitárias e a legalização de muitos canais controladas por grupos políticos e religiosos.

Em outras políticas públicas, o MinC já optou pelo reconhecimento dessas iniciativas. Da mesma forma que pontos de cultura de Santarém, no Pará, e de uma favela
carioca são diferentes, os Canais da Cultura devem considerar o atendimento à política pública – o que pode ser secundarizado se tiverem que obedecer a dezenas de
requisitos burocráticos.

Para agilizar seu processo de implantação, é possível utilizar a EBC (Empresa Brasil de Comunicação), que já possui infraestrutura instalada em vários estados, e
compartilhar desta rede. Isso garantiria a veiculação de conteúdos em alta definição, a recepção por dispositivos móveis, a interatividade e a multigramação com outros
canais culturais. Isso não significa, contudo, dividir a atual frequência da TV Brasil com os demais canais públicos previstos no decreto da TV Digital, mas sim
compartilhar espaços e equipes para viabilizar a transmissão em frequência própria.

Um acordo firmado esta semana entre Ministério das Comunicações, MEC, MinC, Secom, Ministério da Saúde e EBC vai justamente neste sentido. O objetivo anunciado é
ampliar o alcance dos “Canais de TV Digital do Poder Executivo”. É importante lembrar, entretanto, que o decreto que criou a TV Digital no Brasil fala em “canais
públicos”, e não estatais. O maior erro que o governo federal pode cometer neste momento é se apropriar dos canais da Cidadania, da Educação e da Cultura para
transmitir programação de entes governamentais. Outro risco é que, no processo de compartilhamento da infraestrutura da EBC, desista-se da concessão de outorgas
próprias para cada um desses canais e eles sejam obrigados a se contentar com uma faixa de programação da atual TV Brasil – o que reduziria brutalmente o espaço no
espectro para os novos canais públicos. A íntegra do documento de acordo ainda não foi publicizada.

Mas, para o Canal da Cultura, são muitas as possibilidades. É preciso abrir já este processo de construção, para além do GT interno do Ministério da Cultura. Muita
gente tem contribuições a dar: artistas, movimentos, ONGs, sindicatos, entre outros coletivos. A atual gestão deve pensar políticas públicas que não dependam dela
mesma. Elas passarão e a sociedade não pode ficar refém dos gestores de plantão para ter garantido um direito que lhe é fundamental: a comunicação. O canal é da
cultura e não do ministério.

FONTE: Carta Capital.

————————————————

 

PORTARIA INTERMINISTERIAL No – 4.074, DE 26 DE AGOSTO DE 2015

Estabelece as diretrizes para operacionalização do Canal da Cultura no Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre

O MINISTRO DE ESTADO DA CULTURA e o MINISTRO DE ESTADO DAS COMUNICAÇÕES, no uso das atribuições que lhes confere o art. 87, parágrafo único, inciso II da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 13, inciso III do Decreto n.° 5.820, de 28 de junho de 2006, resolvem:

Art. 1° Ficam estabelecidas as diretrizes para a operacionalização do Canal da Cultura, criado

pelo Decreto n° 5.820, art. 13, inciso II, de 29 de junho de 2006 e com o inciso XII do art. 15 doD ecreto n° 7.743, de 31 de maio de 2012.

Art. 2° O Canal da Cultura tem como objetivo transmitir produções culturais e programas

regionais, reconhecendo e valorizando a diversidade cultural, étnica e regional brasileira, e difundindo as criações artísticas e os bens culturais.

Art. 3° O Ministério das Comunicações – MC consignará ao Ministério da Cultura – MinC,

mediante solicitação deste, um canal digital com largura de banda de seis megahertz para a exploração do Canal da Cultura.

Parágrafo único. A consignação de que trata o caput:

I – dependerá de viabilidade técnica;

II – terá prazo de vigência indeterminado; e

III – será outorgada após a aprovação do projeto de instalação da emissora, de acordo com a

regulamentação técnica e os procedimentos previstos nas normas que regem as consignações dos serviços de radiodifusão para a União.

Art. 4° O Canal da Cultura atenderá, prioritariamente, em sua programação os seguintes princípios:

I – direito de todos à arte e à cultura;

II – liberdade de expressão;

III – diversidade cultural;

IV – respeito aos direitos humanos;

V- direito à informação, à comunicação e à crítica cultural;

VI – direito à memória e às tradições; e

VII – acessibilidade aos meios de comunicação.

Art. 5° O Canal da Cultura poderá entrar em operação quando o MinC possuir cumulativamente:

I – ato de consignação;

II – aprovação dos locais e dos equipamentos de instalação; e

III – autorização de uso de radiofreqüência, expedida pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Art. 6° A responsabilidade perante o MC em relação à prestação do serviço previsto nesta

Portaria, bem como sobre as programações veiculadas, é exclusiva do MinC.

Art. 7° Observado o disposto em regulamentação específica do MC, o MinC poderá utilizar o

recurso de multiprogramação para transmitir programações simultâneas.

  • 1 ° As faixas de programação do Canal da Cultura deverão ser utilizadas para o atingimento dos objetivos de que trata o art. 2°.
  • 2° O MinC estabelecerá a banda destinada a cada uma das faixas mencionadas neste artigo, respeitada, pelo menos, a qualidade de resolução de definição padrão – SDTV.
  • 3° O Canal da Cultura poderá fazer uso de recursos de mobilidade e interatividade, observada a regulamentação técnica vigente e as outorgas necessárias para este fim.
  • 4° É vedada qualquer forma de proselitismo na programação.
  • 5° São vedadas, em todas as faixas de programação do Canal da Cultura, a veiculação de

anúncios de produtos e serviços e a venda de horários da grade de programação.

Art. 8° O MinC regulamentará a produção e o licenciamento de conteúdos a serem veiculados no Canal da Cultura.

Art. 9. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

JOÃO LUIZ SILVA FERREIRA
RICARDO BERZOINI

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